“Vida de Estrada”: o novo percurso de Diabo na Cruz

Já fizeram o diabo a sete. Agora são seis mas nem assim se tornaram santos. Diabo na Cruz já contam com dois álbuns: Virou! e Roque Popular. Lançaram recentemente o primeiro single de 2014 «Vida de Estrada». Nós apanhámos boleia e estivemos a conversar com Jorge Cruz e João Pinheiro no Cinema São Jorge.

Diabo na Cruz**ADSENSE**

HoráriosFestivais.com – O Jorge Cruz é vocalista e mentor do projecto e o João Pinheiro é baterista. Jorge, começo por ti. Tu em 2008 agarraste nas referências do PREC, na música portuguesa e nas bandas anglo-saxónicas e fundaste os Diabo na Cruz. Para quem só vos começou a ouvir recentemente, como é que tudo começou? Já se conheciam? Como é que se juntaram?

Jorge Cruz – Nós conhecemo-nos numa altura em que uma série de pessoas começaram a cruzar-se em Lisboa por terem coisas em comum. Eu costumo posicionar a coisa no Arcaz Velho em Alfama. O Diego Armés andava a organizar umas noites onde aparecia pessoal que cantava umas músicas – o Bernardo Barata, o João Coração, o Tiago Guillul, o Samuel Úria, a Márcia – foi tudo na mesma altura. Na altura eu estava a produzir Os Golpes, entretanto conheci o Bernardo Barata e o João Pinheiro conheci-o em ensaios do João Coração. Quando me cruzei com eles tinha a ideia de formar um power trio que é um tipo de formação que eu sempre gostei imenso e começámos assim. Convidei-os para fazer este tipo de música porque eles tinham obviamente referências que andavam próximas de coisas que eu gostava. O João faz parte do Tv Rural que é uma banda que também tem gosto com música parecida, o Bernardo Fachada conhecia a música do José Mário Branco, portanto não ia ser um choque, ia ser uma coisa que fazia sentido e realmente aconteceu.

HF – Vocês editaram o primeiro álbum Virou! em 2010, que colocou-vos na lista das bandas que melhor reinterpretam o legado da música tradicional em Portugal. Este disco tem um conjunto de canções com melodias populares, interpretadas com viola braguesa e guitarra eléctrica, que não é muito comum. Tu, que és o autor das músicas e letras, o que é que esperavas deste primeiro projecto como rampa de lançamento?

JC – Nós trabalhámos muito nas músicas. Estávamos a gostar do que fazíamos, mas demorou algum tempo até acharmos que estava terminado e, quando o lançámos, não sabíamos o que ia acontecer. Apercebemo-nos que a reacção era forte, portanto a nossa vida mudou completamente daí para a frente, até se tornar a coisa profissional mais importante que temos nas nossas vidas. Foi uma grande surpresa que se tornou numa missão porque não há muitas bandas a fazer o nosso tipo de som e encontrámos uma identidade. E nós temos muito respeito por essa mesma identidade. Nesta fase, então, estamos a tentar trazer ainda um novo capítulo para a história dos Diabo na Cruz.

HF – Depois surge em Abril de 2012 o segundo álbum, Roque Popular, um disco muito mais energético e mordaz. Apostam mais nas percussões, mas mantém a ideia de fazer música popular com guitarras eléctricas. Tu próprio disseste que o Virou! foi um disco muito bem pensado, embora possuísse uma estética quase esquelética. Já o Roque Popular foi um trabalho imediato. Ganhou-se no genuíno, perdeu-se no rigor. A minha questão é, se não quiseram repetir fórmulas nem fazer do segundo disco uma sequela do primeiro, como é que o pensaram e trabalharam?

João Pinheiro – Foi um disco que veio bastante da nossa experiência de estrada e isso diferenciou imediatamente do Virou!, que foi um disco em que não tinha havido ainda a tal estrada até irmos para estúdio. Não tínhamos feito nenhum concerto. E depois foi um disco que retirámos da nossa sala de ensaios, portanto, foi todo um processo muito diferente do primeiro álbum.

HF – Achas que teve muito mais trabalho de cada um de vós? Das vossas inspirações?

JC – Não sei, acho que estamos todos mais presentes nas músicas. Se falares na estética esquelética do primeiro sim, porque fomos colocando coisas e depois tivemos tempo para as tirar. No Roque Popular isso não aconteceu. Acho que tem muita coisa, expressamo-nos muito, havia uma mensagem muito forte a unir o álbum inteiro, é muito urgente, mas é um disco onde há menos racionalidade. Eu sou da opinião, em particular, que nós nos damos bem com a moderação, porque nós não somos muito moderados. Quem nos vir ao vivo há-de perceber isso. Portanto, a moderação é uma coisa que nos interessa como segunda fase do que temos para fazer. Lançamos as coisas e depois gostamos de as pensar. Neste terceiro disco, e nesta música «Vida de Estrada», já se reflecte um bocado do que é o trabalho de Diabo na nova fase.

HF – Os Diabo na Cruz sofreram algumas alterações desde o Virou!. Saiu o Bernardo Fachada que participa apenas como convidado. O resto mantém-se?

JC – Nesta altura o Bernardo Fachada já não continua como convidado.

JP – Esteve presente ainda no Roque Popular.

JC – Há algum tempo que a banda é um sexteto, com o Sérgio Pires na braguesa portuguesa e voz, que era o papel do Fachada, e com o Manuel Pinheiro, irmão do João P., nas percussões. A fase do Roque Popular em 2012 foi uma altura de grandes transformações. A banda vinha de dois, três anos na estrada. Houve muito desgaste, cansaço e saíram pessoas da banda, incluindo managements e técnicos dos bastidores. Houve uma reformulação, portanto todo o álbum marca assim uma fase meio dolorosa da banda a transformar-se noutra coisa. E agora não, estamos estáveis há dois anos. Tivemos um tempo de adaptação, mas estamos com a formação bastante estável e não vai mudar.

HF – No segundo disco mostram o que aprenderam em meses e meses de estrada, com a centena de concertos que deram pelo país. A verdade é que vocês vão a todo o lado. Tocam tanto num festival mediático, como num concerto da vila. Sentem que têm conseguido conquistar um público cada vez mais vasto? Há quem vos ache uma banda pimba rock.

JP – A começar por nós. Nós fomos os primeiros a achar isso.

JC – Há um lado da nossa música que é uma provocação em relação aos preconceitos. A nossa música pretende ser uma confrontação com a identidade. Os portugueses tendencialmente, e durante muito tempo, fogem um bocado com o “rabo à seringa” quando se trata falar de si próprios ou da sua própria música. E nós tanto ouvimos os Godspeed You! Black Emperor ou os Future Islands como ouvimos os Queen Of The Stone Age ou qualquer coisa que aconteceu agora – ASAP Rocky, Drake, Brigada Victor Jara. Ouvimos as escolhas de Giacometti, assim como os brasileiros que fazem música brasileira e internacional ao mesmo tempo. Se toda a gente gosta muito, por que é que nós não havemos de ter a nossa? E nós queremos ter a nossa.

JP – Eu acrescento que esses preconceitos sentem-s mais num ambiente urbano e a verdade é que acaba por ser mais fácil o nosso som não ser sujeito a esses tais preconceitos fora desses ambientes e, ao mesmo tempo, mais desafiante porque nós vamos tocar rock. A matriz da coisa acaba por ser rock, ou pop rock.

JC – Pegando no inicio da pergunta, a nossa música confrontamo-la não só com o público indie de Lisboa, é uma música que é suposto ser apresentada a estas pessoas, como é para ser apresentada ao público da terra do interior ou das ilhas que acabou de assistir a uma banda popular com dançarinas. Mas não somos os únicos, os Xutos e Pontapés e os Heróis do Mar também já fizeram isso. Acho nós queremos simplesmente ter os nossos pés assentes no país, queremos olhar nos olhos das pessoas para quem vamos tocar.

JP – E não excluir obviamente alguém. Isto é uma coisa para toda a vida.

HF – No seguimento da resposta, há dois anos tiveram a vossa primeira experiência internacional. Foram convidados pelo Festival Lusófona a tocar em Praga, na República Checa. Como é que foi essa viagem? Pretendem explorar outros palcos ou preferem manter-se em Portugal?

JC – É uma pergunta frequente e temos tido muitos chamamentos do Brasil.

HF – E não arriscam por não querer?

JC – Não é só isso, eu penso que poderia acontecer, mas acho que não faz muito sentido porque a banda está claramente a fazer um percurso aqui. Nós passámos os últimos dois anos numa fase sossegada, não quisemos andar a dizer na cara das pessoas «Olha somos os Diabo na Cruz» porque achamos que temos muito por fazer ainda. Acho que há muita gente que não conhece Diabo na Cruz, que nunca viu um concerto nosso e nós fazemos música para estas pessoas, fazemos música para este território, é sobre isto que nós fazemos. Evidente que pode haver lá fora quem se interesse pelo nosso país e por uma banda de rock que faça rock no seu próprio país.

JP – A língua é a mesma. No caso do Brasil, interessa-lhes com certeza.

JC – Quando nós fomos tocar a Praga, no início as pessoas estavam a olhar, havia pessoal a dançar…

HF – Não havia portugueses?

JC – Havia portugueses e no fim já estava toda a gente envolvida.

JP – A maioria não eram portugueses, mas gostaram. A viagem foi muito gira.

JC – O público reagiu muito bem, é uma coisa universal. Talvez neste caso a letra já não tenha tanta importância porque são outras coisas que estão a acontecer, mas nós achamos que temos coisas para dizer aqui, temos um percurso para fazer e penso que este álbum o vai afirmar. Esta música nova é o começo de algo que, daqui a um ano ou dois, podemos vir a falar no sair lá para fora como algo que faça sentido. Mas ir lá fora para o pessoal gostar de nós e depois vir alguém dizer «olha, eles gostam de nós não sei onde, venham também gostar…», isso não queremos. Nós acreditamos que gostam de nós.

HF – Tenho uma enorme curiosidade. Vocês fizeram o diabo a sete, mas como é que se organizam? Eu sei que tu, Jorge, é os líder do grupo, mas como é que chegam a um consenso e preparam-se na sala de ensaios?

JC – Com fricção e respeitinho.

HF – Recentemente lançaram o primeiro single de 2014, «Vida de Estrada». O vídeo foi realizado pela Joana Faria, também autora do vídeo Luzia. Qual é a principal mensagem que pretendem passar?

JC – O vídeo pretendeu fazer uma leitura eficaz da música porque a letra é longa, é rápida, como é típico de Diabo na Cruz. Neste disco vai haver uma ou outra música que não são tanto assim, mas tipicamente temos letras debitadas depressa e às vezes o pessoal não apanha tudo. É uma música sobre o quotidiano, a pressão e o stress do dia-a-dia, as distracções diárias e a necessidade de escape que toda a gente sente e, no fundo, sobre Diabo na Cruz porque para nós, o nosso escape é termos esta banda , esta vida que é a «Vida de Estrada».

JP – Eu normalmente gosto de olhar para essa letra, sem deixar de ser laboriosa e trabalhada como as letras do Jorge são, mais directa e menos encriptada, menos fechada. A mim dá-me bastante mais prazer de perceber do que se trata mas também conseguir ir para além da letra em si. Eu não vejo como uma canção que fale só da vida de estrada e de nós. Fala acima de tudo da liberdade, da liberdade em que nós devemos ter – «Isto está muito mau, não vamos ficar aqui presos, vamos mentalmente sair» . A canção «Vida de Estrada» é uma coisa que vai muito mais além daquilo que nós curtimos na estrada quando estamos juntos a tocar. De certa forma, é uma vida de estrada mental porque tem a ver com a possibilidade das pessoas poderem sair.

JC – Quando uma pessoa faz uma canção espera que cada pessoa encontre-se a si própria e se isso acontecer, vai ser excelente.

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HF – As vossas canções têm muita influência de Fausto, Sérgio Godinho e Zeca Afonso. As vossas raízes são indiscutivelmente o rock, mas ao longo dos anos foram misturando outros elementos populares, tanto da música tradicional, como das feiras, festas e romarias. Acham que esta mistura improvável de estilos musicais é ainda pouco explorada?

JC – Sim, muito pouco, isso é a nossa sorte. Eu acho que para a geração dos nossos pais vêem em Diabo uma banda que lhes dá muitas saudades do que ouviam antes, assim como há miúdos que ouvem Diabo e estão certamente a ouvir, pela primeira vez, certo tipo de sons, porque não houve muitas bandas a explorar uma coisa que para nós é mais evidente. Agora que estamos a fazer é uma coisa natural de se fazer e nós vamos continuar a fazê-lo. Nós fizemos uma música de uma malha de hip-hop ou de rock pesado como já aconteceu com uma versão dos Gaiteiros de Lisboa, ou se fizermos uma música de pop de rádio ou folk, nós podemos fazer o que quisermos que vai ser Diabo. Já percebemos que conseguimos fazer Diabo das mais diversas maneiras. Não estamos presos a um formato, a um estilo musical. O nosso estilo é Diabo na Cruz.

HF – Já se sabe que o próximo álbum só sairá na altura do Outono e que a tour de lançamento só começará em 2015. Porquê esta decisão? Querem criar suspense e ataques cardíacos aos fãs?

JC – Isso é bom. Foi para criar pressão sobre a banda, para vocês acharem que o disco tem de ser mesmo bom e depois se não for, darem-nos na cabeça. Hoje em dia as coisas chegam tão rápido, porque o pessoal lança o single, lança o disco e passado três semanas já estamos a falar de outro single, de outro disco, de outra banda. E porque isto é especial, nós damo-nos ao trabalho e tentamos fazer as coisas com amor e carinho e pensamos nos pormenores. Gostávamos que as pessoas fizessem um percurso para chegar ao disco e depois o vivessem com uma expectativa. Era porreiro, em vez de «Olhem, está aqui. Oiçam rápido». Foi o que aconteceu no Roque Popular. É se calhar também uma reacção ao que aconteceu no último disco. Eu não gostei da experiência, foi rápido e passados uns meses algumas pessoas ainda nem sequer conheciam muito bem o álbum porque surgiu naquela altura do pico da promoção. Depois não podemos lançar novos singles porque estão na internet, já toda a gente ouviu o disco uma vez e já tem a sua opinião formada. Há pessoas que não fazem assim. Eu gosto de ver o pessoal que faz as coisas mais devagar, mesmo lá fora, acho que é uma boa maneira. «Entras numa música, demoras a entrar ou não. Ou então entras rápido e vais ver se gostas da segunda. Olha a segunda também é boa. Deixa cá ver como é o álbum». As pessoas vão criando a sua opinião, em vez de levar com tudo ao mesmo tempo.

HF – Portanto, haverá concertos dos Diabo na Cruz ao longo do Verão, mas nada de novo disco.

JC – Os concertos vão ser mais sobre os discos anteriores porque depois não podem haver concertos de apresentação.

HF – Para quando e onde os próximos concertos? Já existe agenda?

JC – Começamos dia 3 de Maio em Mem Martins numa matine à tarde (Quinta de Santa Teresinha). Vamos estar em Lagoa dia 22 (Festival Sons do Atlântico) e em Monsanto dia 24 (Festival Monsanto Fest). Continuamos a gravar e a compor.

Mafalda Saraiva  

Eu sei lá resumir-me numa frase. Mas escrevo muitas no meu blog.


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